Câmara cassa mandato de Camilo Cristofaro

Câmara cassa mandato de Camilo Cristofaro

A Câmara Municipal de São Paulo cassou nesta terça-feira (19) o mandato do vereador Camilo Cristofaro (Avante) por quebra do decoro parlamentar. Em votação nominal, foram 47 votos a favor da cassação e nenhum contrário, com cinco abstenções e uma ausência.

Adriano Santos (PSB), suplente, assumirá o cargo de Cristofaro.

A galeria da Câmara, destinada à presença livre da população, foi palco de embates entre apoiadores de Cristofaro e apoiadores da cassação. Aos brados de “Camilo! Camilo! Camilo!”, seguiam-se os gritos de “Racista! Racista! Racista!”.

A vereadora Luana Alves (Psol), um dos acusadores a usar da palavra, falou da falta de representatividade histórica da população negra na Câmara dos Vereadores e da gravidade da fala racista de Cristofaro (“Lavaram e não lavaram a calçada, é coisa de preto, né?”).

“[A fala] foi um desrespeito a toda a população negra de São Paulo”, afirmou a vereadora. Para ela, não cassar o mandato seria uma forma de passar o recado de que a população não é respeitada.

“A gente está falando aqui de respeito à democracia, de respeito a essa Casa.”

Também discursaram os vereadores Jussara Basso (Psol), Marlon Luz (MDB) e Sansão Pereira (Republicanos), que anunciou sua abstenção da votação.

Basso discursou sou contra o racismo e a favor da perda do mandato de Cristofaro: “Precisamos lutar todos os dias contra o racismo estrutural”.

Luz citou até a Bíblia para justificar seu voto pela perda do mandato, dizendo que ela ensina o valor do respeito, do “amar ao próximo como a ti mesmo”.

Camilo Cristofaro também fez uso da palavra e atacou seus pares, sobretudo os vereadores do Psol, e a população presente contrária a ele.

“Aqui não estão me julgando, mas me executando.”

 

Reação furiosa

O agora ex-vereador Camilo Cristofaro (Avante) caiu, mas caiu atirando. Ele usou da palavra durante a sessão de votação de seu pedido de cassação, na tarde desta terça (19), e, do início ao fim de sua fala, de 13 minutos, atacou tudo e todos.

Seu principal foco foi, entretanto, os vereadores do Psol, em especial a vereadora Luana Alves, autora do pedido que resultou na cassação do seu mandato com 47 votos a favor (eram necessários 37 para a perda do mandato).

“Eu não paguei ninguém para estar aqui hoje. Eu não paguei 50 reais e dei uma cesta básica para as pessoas virem aqui hoje, porque foi oferecido isso em vários pontos hoje. 50 reais mais uma camiseta. E tem pessoas aqui que não sabem nem o que estão fazendo aqui hoje. É lamentável”, começou, atacando desafetos presentes na galeria.

Depois centrou fogo no Psol, dizendo que o partido gosta é de espetáculo televisivo. “Luz, câmera e ação! Vocês gostam de TV, vocês não trocam uma lâmpada nessa cidade”, atacou.

E continuou: “Eu tenho hoje 150 obras nessa cidade e 95% das pessoas beneficiadas são negros. Por favor, ou o Heliópolis tem o quê? Ou o Boqueirão tem o quê? Ou o Parque do Gato tem o quê? Ou a Brasilândia tem o quê? Ou o Peruche tem o quê? Eu nunca fui chamado de racista por qualquer canto que ando nessa cidade”, defendeu-se.

Acusou então a oposição de tentar comprar, sem êxito, a população do Jardim São Savério, na região do Ipiranga. E resumiu, chamando a comunidade negra para o seu lado: “O negro não é bobo, não, ele sabe quem trabalha”.

Depois fez alusão ao presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil), sobre quem disse que os vereadores antigos se dirigiam a ele como “o negão”. Então chamou o corregedor da Casa, Rubinho Nunes (União Brasil), de “mentiroso e covarde”.

Cristofaro defendeu o seu trabalho, para atacar o Psol: “Nós temos trabalho, nós estamos nas comunidades. Eu gostaria de saber se essas senhoras do Psol, principalmente a vereadora Luana, se ela tem algum trabalho, se ela já trocou alguma lâmpada de Led na rua.”

Depois retomou sua carreira, frisando 40 anos de vida pública: “Gozado!, eu virei racista depois de 62 anos! É gozado!”.

E assim foi até o fim de sua fala. Cristofaro prometeu ir à Justiça para reaver seu mandato. Ainda haverá guerra.

 

Político poderá recorrer de decisão

Camilo Cristofaro (Avante) perdeu seu mandato de vereador e ainda foi punido com a inelegibilidade por oito anos a partir de 2024. Mas poderá pedir a nulidade do processo disciplinar de que foi alvo na Câmara Municipal de SP.

Segundo o jurista Walter Maierovitch, que é desembargador aposentado, o foro para suas alegações, por exemplo, de cerceamento de defesa, será o Tribunal de Justiça de São Paulo, alçada que o inocentou do crime de racismo.

Na própria Câmara dos Vereadores, explica o jurista, não há mais possibilidade de recurso, uma vez que a decisão desta terça foi por votação no plenário, em que a cassação foi aprovada por 47 vereadores, sem nenhum voto em contrário.

Uma ação de nulidade ao TJ-SP poderá questionar a regularidade do processo, mas não o mérito da decisão do Legislativo paulistano, frisou Maierovitch.

O processo disciplinar de Cristofaro viu na conduta do vereador quebra de decoro parlamentar, infração passível de advertência, suspensão ou perda do mandato.

Aliás, a suposta desproporcionalidade da punição foi uma das contestações da defesa de Cristofaro, conduzida na sessão desta terça pelo advogado Ronaldo Alves de Andrade.

Em sua fala, Andrade insistiu na estratégia de desqualificar o julgamento da cassação. “Não existe nenhuma imparcialidade neste julgamento”, afirmou o advogado. E completou: “Aqui não tem julgamento de juiz verdadeiro”.

Aqui e ali também se queixou de que a defesa foi impedida de fazer seu trabalho livremente.

A propósito da frase que levou o político agora à cassação, o advogado disse que não foi racista, “mas uma frase mal colocada e infeliz”. “Não é brincadeira que se faça, mas foi com o amigo dele [o chefe de gabinete da Subprefeitura Ipiranga, Anderson Silva de Medeiros, o Chuchu, que é negro].”

Cristofaro alegou em sua defesa ter feito uma brincadeira com Chuchu quando proferiu a frase fatídica, vazada durante sessão da Câmara, em maio do ano passado: “Lavaram e não lavaram a calçada, é coisa de preto, né?”.